quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O amor, quando se revela

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
(Fernando Pessoa)

Viver

Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janela
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar... Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
e voar...
cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!
(Mário Quintana)

Epigrama 2


(Inédito. Dedicado a ninguém)

das folhas, o sumo
do sexo , o gozo
do chão, fragmentos
(Jorge Salomão)

sábado, 15 de agosto de 2009

LIBRO DE LAS PREGUNTAS


XLI
Cuánto dura un rinoceronte

Después de ser enternecido?

Qué cuentan de nuevo las hojas

De la reciente primavera?

Las hojas viven en invierno

En secreto, con las raíces?

Qué aprendió el árbol de la tierra

Para conversar con el cielo?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O Fim


“O tempo que anuncia o fim
também desata os nós”
Fred Martins


Não me espanta
Não ver seu rosto
Não tocar seu corpo
Não sentir seu cheiro


Mas me espanta
Não te reconhecer aqui
Nos sonhos que inventei
Nos versos que construí



(Antonio Carlos Borges)
Itaipuaçu 10/08 - 04/09/2009

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Inventário

Ontem
Ou anteontem – não sei bem
Revisitando o tempo
Encontrei meus mortos
Havia matado meus vivos
No nó dos momentos

Falaram-me de mim
Contaram-me da dor que eu senti
Do meu espanto e do meu medo
Dos meus enganos e mentiras

Não falaram de amor

Lembraram-me da casa de três janelas
E porta para rua
Dos convites pro café
Do quintal e dos limões
Do pé de sapoti e dos morcegos

Mostraram-me de novo o rio
O rio que corre manso
Sem deixar a beira
Indiferente à eira do casarão
E às palmeiras da beira rio

Então as horas não passaram
Era como se com eles
O tempo perdesse a pressa
Da mesma forma que o poço perdeu o fundo


E então o cio

(Antonio Carlos Borges)

Niterói 05/06 – 17/06 – 19/06/2009

Itaipuaçu 10/08/2009