quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Imundo Mundo Sem Poesia



A realidade da vida, em si mesma, não se sustenta. O ser humano é mais que um organismo que precisa de comida, roupa, sono e ar. As pessoas são também famintas de carinho; sentem frio sem o cobertor da esperança; não dormem direito apenas abraçadas a travesseiros e querem sempre, voar nos pensamentos. Respirar não basta, não nos preenche. Queremos inspiração para criar, amar, repartir. Aspiramos e um outro ser, o que não podemos imaginar.

Nem o macaco no zoológico agüenta as limitações, por mais bem tratado que seja. Claro que ele trocaria de bom grado a sua jaula pela liberdade da floresta.

Deixamos para amanhã a luz que poderíamos ter ainda hoje. Nos assusta a poesia que iluminaria o túnel escuro em que nos arrastamos. Nós, macacos evoluídos, temos a dor e o prazer de querer romper limites. E procuramos desesperadamente encontrar a chave da gaiola da civilização. A chave está dentro da gente. Sabemos disso.

Mas dá trabalho procurar com afinco. Dói conhecermos a nós mesmos. Então desistimos com facilidade. E preferimos ficar macaqueando a farsa que a realidade externa nos impõe como felicidade. Triste espelho distorcido esse do dia-a-dia, em que nos miramos para ajeitar o sorriso no rosto enquanto a alma chora.

E vamos dançar, vamos para a balada. A música alta é para atordoar; a bebida forte, para alterar; e os corpos se juntam hoje para se desjuntarem amanhã cedinho, como copinhos descartáveis de café.

Queremos amor, claro. Só queremos e não temos porque, como todos, não desenvolvemos a delicadeza da entrega, da generosidade, do gosto pelas diferenças, pelas descobertas lentas, cautelosas e profundas.

Os poemas escancarados de amor, de paixão, de entrega, de renúncia ao seu próprio umbigo vão rareando, encolhendo, sumindo. Poema de amor não enche barriga, dizemos. Nem ajuda a conquistar beltrana, a impressionar fulano.

E seguimos assombrados e sozinhos e surpresos porque contas bancárias, academias de ginástica e carros novos também não nos tiram de nossa solidão. Nos contentamos com o prazer sexual sem nunca chegar ao orgasmo espiritual, cósmico, que um simples e poderoso verso proporciona. E assistimos ao noticiário para que este nos confirme que a poesia é inútil.

Claro que nenhum bandido gosta de poesia. O poema é território do humano, do sensível, do abnegado. Nada a ver com o território sangrento de sua violência criminosa. Poderosos também não são chegados. Poesias insistem, freqüentemente, em lembrar que existe todo um povo ao redor deles, com seus apelos e urgências. Então, a Política fica sendo a chatice, o tédio, o exercício vazio da crueldade. Falta o sonho. Política sem sonho é apenas um discurso.

Demoramos milênios para dominar o dom da fala. Séculos para elaborarmos a escrita. Aprendemos a registrar em letras aquilo que estava engasgado na garganta imaterial de nosso íntimo. Frase após frase passamos pela vida a procurar uma resposta. E todas as respostas estão ali, na nossa frente. São muitas porque muitas são nossas perguntas. Mas uma dessas respostas foi feita para nós, por um de nossos semelhantes. A mesma coisa que nos inquieta também afligiu algum poeta, em algum momento. Teremos a coragem de ouvir?

Poesia não se destina aos fracos. Os mais antenados percebem que da fraqueza vem sua força. Onde quer que se vá, um poeta já se atreveu a passar por lá, pelos céus e pelos infernos de todos nós. A tecnologia muda, os costumes mudam, mas o ser humano é o que sempre foi e será, nem muito melhor, nem muito pior do que isso que está aí.

Dia-a-dia rima com poesia, sim. Você decide. Abra um livro de poesia já. Antes que seja tarde.

(Ulisses Tavares)

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